Gravidade


A proposta de “Gravidade” (Gravity, 2013) é um convite para se vivenciar uma completa imersão espacial. Imersão essa que, de forma abrangente, se dimensiona em vários sentidos: no espaço sideral em si, no espaço emocional e no espaço cinematográfico, catalisador da relação conectiva que se estabelece entre a obra e o seus espectadores.
O cineasta mexicano Alfonso Cuarón já havia demonstrado uma total habilidade e destreza de direção em “Filhos da Esperança” (Children of Men, 2006), ao nos apresentar cenas memoráveis como a do carro em movimento durante uma perseguição, em que foi preciso construir todo um aparato técnico para possibilitar a filmagem do lado de dentro do veículo enquanto diversos acontecimentos ocorrem do lado de fora (cena e o making of).

Em “Gravidade” o destaque está nos minuciosos movimentos de câmera, que são utilizados de maneira a fazer com que o espectador tenha uma visão extremamente detalhada de todas as ações de seus protagonistas, principalmente nos momentos das imagens subjetivas, do ponto de vista da personagem de Sandra Bullock. A precisão de Cuarón é realmente de tirar o chapéu. É claro que isso tudo também está associado a diversos recursos de efeitos visuais de pós-produção, além do 3-D, que deixa as imagens ainda mais hipnotizantes. Mas, foi como James Cameron disse a Cuarón quando este estava prestes a rodar o filme e demonstrou estar um pouco receoso em relação ao resultado final: “as tecnologias estão aí, só é preciso que você invente de que forma quer usá-las”. E quanto às invenções criadas por Cuarón, pode-se dizer que o resultado final visto na tela é bastante positivo.

O filme já se inicia no espaço com Sandra Bullock, que vive a Dra. Ryan Stone, juntamente com dois astronautas, fazendo ajustes no telescópio Hubble. Um dos astronautas é o experiente Matt Kowalski, interpretado por George Clooney. Eis que chega uma notícia da base dizendo que destroços de um satélite parecem estar indo em direção a localização de onde eles estão posicionados. Imediatamente tentam retornar à estação espacial, mas os destroços os alcançam antes e matam um dos seus companheiros. A Dra. Ryan se desprende e sai girando pela órbita espacial, até que Kowalski consegue resgatá-la. A partir daí o filme entra no espaço emocional e descobrimos que a protagonista tinha uma filha pequena que morreu aos 4 anos de idade. A jornada espacial passa agora a ser uma jornada pessoal. Ainda mais quando a Dra. se vê sozinha, após seu companheiro sobrevivente se soltar dela, num momento em que ambos estão presos um no outro, pendurados por uma corda que não irá aguentar segurá-los. Assim, Kowalski se separa da Dra. para evitar que ela fosse puxada novamente para o espaço. “Eu não vou te largar, não vou deixar você ir!” diz ela para Kowalski. “Isso não cabe a você decidir”, responde ele para ela. “Ryan, você precisa aprender a deixar ir”. A imensidão do universo que a cerca e a imensidão de si mesma passam a ser os seus grandes desafios. Nessa questão o filme nos remete “As Aventuras de Pi” (Life of Pi, 2012), que assim como a Dra. Ryan, Pi também se vê perdido em alto mar, e em si mesmo. Ambos precisam enfrentar seus próprios medos para encontrar o caminho que os levará de volta à terra/Terra.

A questão metafórica da gravidade versus a ausência dela diz respeito àquilo que nos conecta e nos prende a tudo e todos, em contraponto ao que nos desestabiliza, desequilibra e nos foge do controle. Fora da atmosfera terrestre, estamos à mercê de um universo que, aparentemente, não conseguimos nos ajustar ou nos adaptar. Quando lançou “2001: Uma Odisséia no Espaço” (2001: A Space Odyssey, 1968), Kubrick disse: “a coisa mais assustadora sobre o universo não é que ele é hostil, mas que é indiferente. Não importa o quão vasta é a escuridão, precisamos encontrar nossa própria luz”. E é justamente sobre isso que Cuarón parece nos tentar mostrar. Nesse espaço que habitamos e que também nos habita, ocupá-lo pode ser extremamente cruel e delimitante, mas ao mesmo tempo, se permitirmos, podemos, juntamente com ele, extrapolá-lo e descobrir que há uma órbita dentro de todos nós que, apesar de flutuante, também gravita.

Comentários

Amália disse…
Valeu a dica. Adorei o filme.
É emocionante e surpreendente!
mム尺goん disse…
[realmente Cuarón mostra nossa inabilidade em se adaptar fora de nosso mundo]

beijo