A Pele Que Habito



Considero que neste filme Almodóvar conseguiu atingir o seu maior grau de sofisticação cinematográfica, tanto pela escolha original da história, quanto, e principalmente, pela narrativa orquestrada de forma instigante.

Antonio Banderas vive um cirurgião plástico de sucesso. Mora em uma mansão com uma governanta (Marisa Paredes), alguns criados e uma "hóspede" (Elena Anaya) que é mantida em cárcere, trancada em um dos quartos da casa. Aos poucos o filme vai revelando a relação entre os personagens e a história por trás de cada um. No início, temos a ideia de que Banderas é um cirurgião sem ética e que faz uso de uma cobaia viva para os seus experimentos. No entanto, o filme surpreende de maneira chocante e brutal.

A relação do cirurgião com sua cárcere me remeteu um pouco a uma relação que Almodóvar tratou em um outro filme seu, "Ata-me" (idem, 1990), também interpretado por Banderas. A semelhança dos dois personagens está no fato de que ambos sequestram uma pessoa para mantê-la em cativeiro e possuem o desejo de transformá-las. No caso de "Ata-me", o desejo de transformação é interna, de sentimento. De fazer com que sua presa se apaixone por ele. E em "A Pele" o desejo é a da transformação externa de seu prisioneiro. No entanto, a mudança interna ocorre no sequestrador e não no sequestrado. Essa questão de mudança de aparência me lembrou também um outro filme. "Time" (Shi Gan, 2006), do diretor sul coreano, Kim Ki-duk. Neste, a namorada de um rapaz resolve fazer uma cirurgia plástica e mudar de rosto como forma de testar o amor do namorado. A aparência está ligada ao sentimento ou o sentimento é que está ligado a aparência? E se alguém que você ama ganhasse um rosto totalmente diferente? E se uma pessoa totalmente diferente tivesse uma aparência idêntica a alguém que você amou? É engraçado pensar sobre isso porque sempre refletimos sobre o amor como algo abstrato e não físico, mas nos esquecemos o quanto há de ligação desse sentimento com a aparência física.

Almodóvar se inspirou no livro "Tarântula", do escritor francês Thierry Jonquet. O livro está classificado como um thriller de horror e narra de forma extremamente cruel os atos cometidos pelo cirurgião em sua vítima. O título do livro se refere ao nome pelo qual a vítima chama o seu sequestrador, o comparado-o com uma aranha tarântula devido as atrocidades pelas quais passa. Mas, para o filme, Almodóvar não faz uso de tais descrições que constam no livro. Afinal, no cinema, menos é mais. E ele consegue fazer isso de uma forma ao mesmo tempo sutil e extremamente provocativa. Primeiro somos apresentados a rotina do cirurgião e da mulher que ele mantem trancada. Na metade do filme é que é revelado o motivo de tal encarceramento. E essa explicação ocorre durante uma noite de sono que os dois dormem na mesma cama, numa espécie de sonho misturado com flashback. E quando voltamos ao tempo atual da trama, é justamente o momento em que o casal acorda no dia seguinte. Essa forma de montagem fornece um enorme requinte ao tom da narrativa do filme.  Porém, sem fugir das suas origens, mesmo se tratando de um suspense, a gente identifica que é um filme de Almodóvar, ou seja, os elementos característicos que o marcam tanto estão todos presentes: a questão materna; o sexo; a fotografia das suas cores; a música cantada; as piadinhas em momentos dramáticos; e tudo mais que povoa o universo de um diretor que imprimiu e imprime um estilo muito próprio.

O que mais me encanta no cinema deste diretor é a forma natural como ele lida com os mais variados tipos de relações que estão fora dos padrões convencionais. Basta olhar para a sua filmografia e perceber que em todos os seus filmes não existe uma relação convencional. Seus personagens possuem uma riquíssima complexidade que daria para fazer um filme a respeito de cada um deles. No entanto, ele prefere apenas ir pincelando-os e mostrando, para nós, meros espectadores, o suficiente para nossa compreensão durante uma hora ou mais. E por fim, nos deixando com uma forte sensação de que a vida de seus personagens continua mesmo depois que o filme termina.

Comentários

Mulher Vã disse…
Ainda não vi, mas desde que saiu encontra-se em minha lista!
Então só vou ler seu post depois de assisti-lo! heheehe

Hey! Outro que eu gostaria muito de ler um de seus excelentes pontos de vista é: Melancholia!

Beijão.


Unknown disse…
Oi Larissa! Concordo inteiramente com você, Chaplin foi realmente um grande gênio. É mais que merecido ser imortalizado através de suas obras, principalmente na figura do
nosso querido Carlitos, o eterno vagabundo. Conheço pouco da sua obra, mas esse pouco ja é suficiente
para que ele tenho minha admiração.
Um abrço pra voce, até mais!