Tatuagem



Os cineastas pernambucanos vêm cada vez mais se destacando no cenário cinematográfico brasileiro e aos olhos da crítica internacional. Só para citar alguns: Marcelo Gomes, com “Cinema Aspirinas e Urubus” (2005) foi selecionado para a mostra Un Certain Regard (Um Certo Olhar), no Festival de Cannes; Kleber Mendonça, com “O Som ao Redor”, foi considerado pelo jornal The New York Times como um dos dez melhores filmes de 2012.
Hilton Lacerda foi roteirista de filmes de outros conterrâneos, como Lírio Ferreira, em “Árido Movie” (2004), e praticamente todos de Cláudio Assis, desde “Amarelo Manga” (2003) até “A Febre do Rato” (2011). “Tatuagem” (2013) é a sua estreia de direção num longa de ficção e já arrebatou vários prêmios. Em Gramado ficou com o Kikito de Melhor Filme e Melhor Ator para Irandhir Santos e levou 5 troféus no Festival do Rio: Prêmio Especial do Júri, Melhor Filme pela Crítica Internacional, Melhor Filme Júri Popular, Melhor Ator para Jesuíta Barbosa e Melhor Ator Coadjuvante para Rodrigo García.

O filme se passa na década de 70, com a ditadura militar ainda atuante no Brasil, e retrata a vida de uma trupe de artistas chamada “Chão de Estrelas” que se apresenta num cabaré da capital. A trupe é comandada por Clécio Wanderley, que é vivido de forma esplendorosa por Irandhir Santos. Aliás, não somente ele, mas todos os atores merecem completo reconhecimento e destaque. É impossível não notar a sintonia entre todos durante as cenas. Ao lado de Clécio sempre está Paulete, interpretado por Rodrigo García, e que é, definitivamente, uma das estrelas da companhia. Em paralelo à vida do cabaré, corre a história do jovem soldado Arlindo Araújo, interpretado por Jesuíta Barbosa. Arlindo é de uma família tradicional interiorana e os visita regularmente nos seus dias de folga. Esses dois universos completamente diferentes se unem quando a namorada de Arlindo lhe pede para entregar uma carta à seu irmão que mora na capital. Quando ele chega no endereço dado pela namorada, descobre se tratar justamente do cabaré em que a trupe do Chão de Estrelas se apresenta. Lá ele conhece Clécio e os dois acabam se envolvendo.

Pode-se dizer que a palavra de ordem do filme é deboche. Ainda mais quando é revelado que o apelido de Arlindo no quartel é “Fininha” e, aos poucos, vamos descobrindo que ele já tem uma certa experiência sexual com homens. E o deboche também é a arma que o Chão de Estrelas usa para fazer críticas sociais e levantar a bandeira da liberdade para que ela possa ser vista e vivida por todos, sem hipocrisias ou falso moralismo imposto pela censura ditatorial da época. Para isso, Lacerda recheia o filme com muitas performances musicais, teatrais, recitais de poesia e as mais variadas atuações dos integrantes da trupe, que mandam seus recados de maneira extremamente alegre, divertida e escrachada. Uma das últimas músicas apresentada pela trupe fica na nossa cabeça mesmo depois que o filme acaba, até porque ela trata de uma maneira, digamos proctológica, a questão política e social do país. Além de ter uma contagiante batida orquestrada pelo talentoso DJ Dolores.

Em virtude de um mercado cinematográfico que precisa se estruturar pela arrecadação da bilheteria, é muito bom termos um filme como “Tatuagem” circulando pelo circuito comercial para lembrar ao público que o cinema brasileiro pode e deve ser mais ousado, inteligente e igualmente divertido. Como o próprio Lacerda destacou em uma entrevista durante o Festival de Gramado que as pessoas dizem que brasileiro não gosta de ver filme brasileiro, mas isso quando elas assistem. Ele complementa dizendo que o Brasil é um país de 200 milhões de habitantes e uma grande bilheteria ser considerada 4 milhões é muito pouco. "Nada contra esse 'cinema-diversão', mas tudo contra a imposição”. Ou seja, não é que o público não vá ao cinema para ver filme brasileiro, a questão é que alguns filmes sequer conseguem chegar às salas. Lacerda ainda diz: “compraram o nosso olhar e viciaram o nosso olhar. Acho que talvez a gente tenha uma função que é meio de 'deseducar' as pessoas na forma de ver as coisas”. Vale também ressaltar que número de espectadores não é necessariamente parâmetro para se medir a qualidade de uma obra. Afinal, o processo de comercialização/distribuição dos filmes não está nas mãos daqueles que os desenvolvem. E é justamente nessa etapa que, por vezes, o público acaba sendo privado de boas oportunidades de assistir e ter o seu olhar renovado para outras possibilidades proporcionadas por diversos cineastas.


(Confira a entrevista do diretor durante o Festival de Gramado)

Comentários

mム尺goん disse…
Tatuagem é um filme coerente com seu próprio discurso, um dos melhores do ano.


beij0
Eu simplesmente amo esse filme. Estive em uma das sessões mais viscerais que presenciei esse ano!

P.S.: Seu blog já está no meu Blogroll. Abraços!
L. L. disse…
Muito bom. Esse, pelo menos, estreou em Vitória, está em cartaz no Cine Jardins. Um amigo já o havia indicado, mas, agora, com os seus comentários, fiquei realmente curiosa para vê-lo, coisa que farei assim que possível.
Esse filme é sensacional mesmo. Foi um tanto chocante, é verdade; mas isso só acrescentar a qualidade do filme, pela sua capacidade de escancarar mentes. Cinema de Pernambuco tem me dado tantos orgulhos quanto a música e a literatura ultimamente.
AC disse…
Não conhecia. Grato, Larissa.

Beijo :)