Ninfomaníaca Vol.1



Depois de muitas expectativas e prévias polêmicas a respeito da mais recente produção de Lars Von Trier, pode-se concluir que o título funcionou apenas como um chamariz apelativo para o que parece ser um manifesto do diretor/roteirista sobre sua visão do que representa o sexo (e por que não, também o amor) dentro da dinâmica das relações/convenções sociais.

Com 4 horas de duração, o filme foi dividido em duas partes. No Volume 1 somos apresentados a história de Joe, vivida por Stacy Martin, na fase jovem, e Charlotte Gainsbourg, na fase adulta. Charlotte parece realmente ter firmado uma parceria criativa com Trier, desde a sua corajosa performance no genialmente dilacerante “Anticristo” (Antichrist, 2009). Aqui ela interpreta a ninfomaníaca em questão, que após ser encontrada caída e ferida em um beco, é levada por Seligman (Stellan Skarsgard) até o seu apartamento onde relata sua trajetória sexual vivida até então. A partir daí, o filme é intercalado entre os flashbacks narrados por Joe e as discussões filosóficas, analógicas, analíticas e até mesmo metalinguísticas que os dois personagens abordam a respeito das cenas que estão sendo mostradas. Antes de começar a contar sua história, Joe alerta que ela será longa e com um fundo moral, e ainda previne dizendo que ela é um ser humano ruim.

Desde criança o sexo é descoberto por Joe e a sua amiga B como algo que as diverte imensamente, a ponto de apostarem quem conseguiria transar com mais homens dentro de um trem antes que este chegasse ao seu destino final. Mais tarde, elas fundam uma espécie de clube de garotas que tinha como intuito se rebelar contra o amor. Estabeleciam certas regras, tais como nunca transar com o mesmo homem mais de uma vez e entoavam mantras do tipo: “vulva, minha máxima vulva”. Ao voltar para a cena no apartamento Joe diz que o amor nada mais é do que sexo acrescido de ciúme.

A apatia da personagem se reflete também nas analogias que Trier utiliza e que são feitas de forma quase que didáticas. Ele consegue estabelecer relações do sexo com teorias matemáticas, com a pesca e com a polifonia de Bach. Tudo isso é demasiadamente ilustrado de modo a fazer com que a abordagem ganhe um forte tom cínico. Aliás, a cena com a Mrs. H (Uma Thurman) é o auge do cinismo grotesco, ao exibir uma mãe acompanhada de seus três filhos dentro da casa da amante do marido dizendo o quanto eles ficarão traumatizados por tal atitude do pai deles.

Dentre tantas histórias de seus parceiros sexuais, cujos personagens se limitam ao serem nomeados por letras ou alguma designação, somente Jerôme (Shia Labeouf) é que ganha maior destaque. Ele foi quem tirou sua virgindade e que, coincidentemente, é reencontrado quando Joe arruma um emprego numa gráfica. De início ela o despreza e, posteriormente, passa a desejá-lo, mas não consegue concretizar esse desejo naquele momento. Isso cria nela um certo vínculo emocional em relação a Jerôme. No entanto, tal fato não faz com que ela deixe de continuar sua prática ninfomaníaca, que aliás parece ser muito mais uma necessidade de fuga do que de prazer.

Ao término do Volume 1 ainda não é possível saber até onde Lars Von Trier quer chegar. O filme faz uma referência da polêmica ocorrida durante o Festival de Cannes de 2011, quando ele disse que entendia Hitler. Há um momento em que Seligman diz que é antissionista e não antisemitista. Olhando por um viés mais amplo, há uma possibilidade de que talvez “Ninfomaníaca” seja a forma cínica que Trier encontrou para dizer
sobre tudo o que pensa em relação a maneira como as coisas são ditas e as variáveis interpretativas que delas são extraídas. A auto-análise de uma obra pelo seu próprio autor dentro de sua própria obra não é uma coisa que me agrada muito, porém, tudo pode mudar de figura dependendo de qual é o objetivo final dele. Assim como fez Victor Hugo no século XIX ao escrever o prefácio de Cromwell e acabou por desenvolver uma defesa do drama romântico e uma teoria de como a arte deveria ser encarada. Hugo diz que o gênio moderno é aquele que consegue utilizar o componente grotesco junto ao sublime. Ele acreditava que somente a mistura de gêneros poderia realizar uma pintura total da realidade como busca de uma poesia completa. Ainda é cedo para dizer se esse é verdadeiramente o intuito de Lars Von Trier, mas caso não seja, pode-se dizer que ele está bem próximo disto. E que venha o Volume 2!

Comentários