A
importância de se conhecer a história de um país contribui imensamente
para que possamos compreender os fatores que desencadearam
comportamentos culturais, sociais, políticos e econômicos daquela nação.
A mais recente produção do cineasta pernambucano Marcelo Gomes tece, de
maneira nua e crua, o cotidiano de Joaquim José da Silva Xavier, o
“Tiradentes”.
O enfoque que Marcelo propõe em sua narrativa é mostrar o processo emocional e a construção de consciência política desse personagem histórico, que de alferes (posto militar que equivale ao segundo tenente) da coroa portuguesa, se torna o líder revolucionário da Inconfidência Mineira no Brasil do século XVIII. A produção foi indicada para competir ao Urso de Ouro, prêmio principal no Festival de Berlim desse ano, e estreia no Brasil no dia 20 de abril, um dia antes do feriado de Tiradentes.
O elenco
do filme, que é composto por atores brasileiros, portugueses, africanos
e índios, tem um tom quase documental da rotina desses personagens. A
preparação e ensaio dos atores durou um mês, e contou com direção de
elenco da, também atriz, Sílvia Lourenço. O paulista Júlio Machado
interpreta o protagonista que vive em uma pequena vila no interior de
Minas Gerais. Junto com ele vivem outros militares que trabalham para
Portugal: Manoel (Miguel Pinheiro), que é o seu superior, Januário
(Rômulo Braga), que é soldado, além de alguns escravos. Dentre estes,
ele tem uma atração e atenção especial por “Preta” (Izabél Zuaa), que é
responsável pela cozinha da tropa e dos piolhos que fazem coçar a cabeça
de Joaquim, porém ela não pertence a ele, e sim outro escravo, o João
(Welket Bungué).
O
roteiro, que também é assinado por Marcelo, delineia um homem que cumpre
corretamente com o dever ao qual foi incumbido, e a prática dessa sua
ética no trabalho está relacionada a ambição de alcançar não só uma
maior patente, bem como o respeito perante os outros brasileiros e
portugueses com quem se relaciona. Porém, Joaquim acaba sendo ludibriado
e obrigado a engolir sapos cumprindo missões inúteis em lugares
inóspitos, como por exemplo, quando o comandante da tropa o envia para o
sertão proibido em busca de ouro. O filme foi rodado em Diamantina/MG,
onde há muitos rios e cachoeiras, que eram um dos locais onde se
poderiam encontrar pedras preciosas na época do Brasil-colônia.
Para
cumprir essa missão específica, Joaquim vai com uma equipe composta por
João, o seu escravo negro, Januário, soldado e brasileiro, Matias (Nuno
Lopes), que é um português vindo especificamente para acompanhá-los e um
índio (Karai Rya Pua), que vai como guia para orientar a trilha. Esse
pequeno grupo expressa a mistura de raças e culturas que foi concebido o
povo brasileiro. Uma das cenas mais bonitas do filme acontece
justamente durante essa missão, quando os brasileiros e o português
ainda dormem pela manhã bem cedo. O índio começa a cantar uma música no
seu dialeto. João olha para ele e começa a bater uma palma cadenciada.
Em seguida, também canta uma música no dialeto do seu país. Os dois
dançam e sorriem cantando cada um a sua música numa espécie de um lindo mashup
cultural musical, enquanto os seus “donos” dormem após uma noite
bebendo cachaça para relaxarem da exaustiva busca pelo ouro. Enquanto
eles, escravos e sem nenhuma ambição material, estão felizes entoando
cânticos que remetem às suas origens, das quais foram forçosamente
retirados.
Joaquim
começa a ficar irritado com os portugueses, a partir do momento que
percebe que nunca será promovido, mesmo que se empenhe ao máximo em seu
ofício. Aliado a isso, ele passa a ter conversas intelectuais com o
Poeta (Eduardo Moreira), que lhe mostra livros que falam sobre o
processo de independência das colônias americanas. O Poeta o apresenta a
um padre e a um grupo de pessoas da então nova sociedade brasileira,
que possuem interesse em expulsar os portugueses do Brasil. A cena final
dá a entender que sim, Joaquim está disposto a trair a coroa e provocar
uma revolução, porém aqueles que o incentivam talvez não sejam tão
diferentes dos que estão no poder. E seus interesses não estão
vinculados necessariamente ao bem do povo e da nação, mas deles
próprios. Enquanto Joaquim vibra com a futura nova empreitada, eles riem
e se entreolham saboreando suas bebidas certos de que se algo der
errado, não serão eles que, literalmente, irão perder suas cabeças.
FICHA TÉCNICA:
Direção e roteiro: Marcelo Gomes
Elenco: Júlio Machado, Rômulo Braga, Welket Bungué, Isabél Zuaa
Fotografia: Pierre de Kerchove
Produção: Pandora da Cunha Telles, Pablo Iraola, João Vieira Jr.
Distribuição: Imovision
País: Brasil, Portugal
Duração: 97 min.
Ano: 2017
Elenco: Júlio Machado, Rômulo Braga, Welket Bungué, Isabél Zuaa
Fotografia: Pierre de Kerchove
Produção: Pandora da Cunha Telles, Pablo Iraola, João Vieira Jr.
Distribuição: Imovision
País: Brasil, Portugal
Duração: 97 min.
Ano: 2017
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